ENTREVISTA
"O mais importante são os alunos"
Janeiro de 2020
Em criança queria ser futebolista e poderia ter sido empresário, mas descobriu a vocação para ensinar quando já estava no curso de Biologia, em Coimbra, e decidiu ir por aí. Hoje é o diretor do Agrupamento de Escolas de Caneças, frequentado por mais de 3000 alunos. Só tem horário de entrada e já chegou a passar noites, em trabalho, na escola. Chama-se Fernando Costa, nasceu em Lisboa em 1959 e, em entrevista a O Cusco, conduzida pelos alunos do 4º Ano, coloca a sustentabilidade do planeta em primeiro lugar, defende a reutilização de manuais, o fim das retenções até ao 9º Ano e explica as razões do sucesso de um Agrupamento de Escolas que fica às portas de Lisboa.
O que o levou a candidatar-se ao cargo de diretor?
Inicialmente foi uma situação inesperada, decorrente de uma necessidade de ter alguém para dirigir a escola, e nessa altura fui designado. As pessoas gostaram do meu desempenho. Mas este trabalho só faz sentido com a responsabilidade partilhada e de uma equipa em quem deposito a minha confiança. Gosto muito da gestão partilhada, pois só assim faz sentido ser diretor.
Há quantos anos exerce esta função?
Tudo somado deve dar uns 30 anos.
Como ocupa o seu dia de trabalho? Que tipo de atividades lhe ocupam mais tempo?
O que gosto mais é de falar com os meus alunos. É com muita alegria que venho à escola do 1º Ciclo, conhecer-vos e interagir convosco. Ver se estão felizes. Mas tenho outros trabalhos mais aborrecidos que têm de ser feitos, como a parte administrativa, mas talvez por isso lhe dedique muita atenção para que fique bem feita.
De todas as suas tarefas, qual é a que lhe dá mais dores de cabeça?
A atividade administrativa a trabalhar com papéis, com processos, avaliar situações que tenham a ver com o funcionamento das escolas, a parte financeira, com a gestão do dia-a-dia. Volto a repetir que é muito importante ter uma equipa de confiança que ajuda a agilizar todas estas situações.
E de todas as suas funções qual é a que mais gosta?
O que me dá mais dores de cabeça, tem sido a falta de pessoas para trabalhar. Seja pessoal docente e não docente.
O que faz um diretor para alcançar os resultados pretendidos?
Isso é uma pergunta mais séria! Os resultados pretendidos… o que nós queremos acima de tudo é que vocês tenham sucesso. Sucesso pessoal, sejam felizes na escola, aprendam com vontade Com o que temos de nos preocupar acima de tudo é dar condições de trabalho aos professores para que trabalhem convosco satisfeitos e se sintam bem a trabalhar convosco. Dar espaço aos professores para que programem as atividades, e que vocês beneficiam mais. O nosso papel é encontrar as condições ideais para que isso aconteça.
O que pensa da proposta de não haver retenções até ao 9º ano?
Na realidade a proposta é que os alunos cheguem ao 9º ano sem necessidade de retenção. As escolas trabalham individualmente com cada criança ajudando a ultrapassar as dificuldades. Isto é não é passar sem saber. Isso não pode acontecer. Temos de trabalhar os alunos e as famílias para que ninguém fique para trás, sem aprender. Investir mais para ultrapassar dificuldades.
Tem orgulho no nosso agrupamento?
Claro, que sim! Vocês sabem-se comportar e gostam de aprender, por isso vão ter um bom desempenho no futuro. Estou muito orgulhoso do trabalho que se faz no Agrupamento.
Quais são os pontos fortes deste agrupamento?
O ponto mais forte do agrupamento é o ambiente: o trabalho de articulação dos vários níveis de ensino, responsabilidades partilhadas, espirito de colaboração, desenvolvimento de projetos em cada escola que está englobado no projeto do Agrupamento.
Se não fosse professor/diretor, que outra profissão teria?
Há opções na vida que são tomadas, muito cedo, mas depois seguimos outros caminhos: a minha área de formação é Biologia, mas uma das opções seria na área da Gestão, por exemplo empresário.
Tem horas de entrada e de saída? Alguma vez passou uma noite no agrupamento a resolver os problemas?
Uma, não. Já algumas noites foram passadas dentro da escola a resolver problemas complicados. Mas os professores não trabalham só dentro da escola, eles levam sempre trabalho para fazer em casa.
Com esta profissão, tem tempo para dedicar à sua família?
Tenho de ter. Gostava de ter mais, mas aparecem imprevistos, situações urgentes para resolver… É uma profissão muito exigente.
Está ansioso para se reformar? Quantos anos lhe faltam?
(Risos) Ainda faltam alguns anos, uns sete. Mas, como gosto do que faço, não penso nisso, para me manter concentrado nas minhas obrigações.
O que espera que façamos para que tenhamos um futuro melhor?
Existem dois fatores: aprender para que, sejam alunos bem formados (de atitudes e valores) e esclarecidos (nos conhecimentos) e conheçam o mundo onde estamos inseridos: relações funcionais e de respeito, problemas do ambiente, uma vez que vocês são o futuro. Têm de ajudar os mais velhos educando-os para que tenhamos um mundo melhor. Vocês sabem o que é preciso!
O que é importante afinal?
O segredo está em respeitar toda a gente
Quando era criança como nós, já tinha o sonho de ser professor?
Não, foi muito mais tarde, depois de terminar o curso é que decidi enveredar por este caminho. Enquanto criança não me passava isso pela cabeça.
Quando era estudante, quais eram as suas disciplinas preferidas?
Não tinha disciplinas preferidas. Na realidade gostava da escola, gostava de aprender. No ensino secundário, tive de optar pela área das Ciências, porque gostava mais de aprender e tinha curiosidade.
Havia algum professor de que não gostava?
Todos nós gostamos mais de umas pessoas do que de outras. Temos amigos e pessoas com quem convivemos. Uma coisa que é fundamental: respeitar toda a gente, mesmo nas diferenças. Temos que aprender que não nos identificamos com toda a gente, mas temos de respeitar toda a gente. Havia professores que eu gostava bastante, que muitas vezes influenciam o caminho que nós temos de seguir. O facto de alguns de vocês provavelmente gostarem de ser professores é porque se identificam com as vossas professoras. Gostarem muito da profissão que os pais fazem também é meio caminho para que queiram seguir o caminho dos vossos pais.
Algumas vez se portou mal?
(Suspiro!) O que é que eu hei de dizer a esta resposta. Tenho que dizer a verdade, não é? (Sim, respondem os alunos presente, em coro)
Para dizer a verdade… tenho de dizer que nem sempre me portei muito bem. (Risos geral). Houve alturas em que tive de ser repreendido. Mas isso faz parte do nosso crescimento. Todos nós fazemos asneiras quando somos pequeninos. Não pensem que as vossas professoras também não fizeram, porque fizeram (risos). As professoras delas também ralharam com elas com toda a certeza. Todos nós nos portamos um bocadinho mal enquanto crianças. Esperemos é que, quando crescermos, nos deixemos de portar mal. À medida que vamos crescendo vamos aprendendo que o nosso comportamento tem de ir melhorando. Mas, quando não me portava bem tinha de levar um ralhetezinho ou outro.
O segredo está em respeitar toda a gente
Gosto muito da gestão partilhada